sexta-feira, 16 de março de 2018

Resenha: "Suicidas", de Raphael Montes


Quem realiza qualquer atividade coisa que exija a provação dos outros, sabe o furacão de sentimentos animais que a rejeição traz. Demos nosso sangue por aquela criação e o que recebemos de volta é uma resposta padronizada, atestando nossa incompetência. Vestibular, esportes, defesas de tese, performances artísticas... escrever um livro. Tantos escritores já compuseram textos sobre escritores rejeitados, muitas vezes alteregos de si mesmos – o Dedallus de James Joyce, Hakolnikhov, de Dostoiévsky, Lucien Rubenpres de Rubempré, de Balzac, e até o protagonista de O Iluminado, de Stephen King (vê-se que nenhum deu muito certo na vida, naõ é?). Poucos romances policiais com muito sangue, vísceras e suspense pensaram em abordar essa questão de forma central.


"Suicidas ( "2012), romance de estreia do carioca Raphael Montes, contém uma trama inicialmente sem profundidade: nove adolescentes, por motivos nebulosos, decidem cometer um suicídio coletivo em um jogo de Roleta Russa. Esta consiste em colocar uma só bala no tambor de um revólver e girá-lo, de forma que ninguém saiba em que puxar de gatilho a bala sairá. Mas aos poucos, conforme os detalhes dos motivos de cada um para acabar com a vida vão se delineando, revelam-se uma trama intrincada e uma série de temas contemporâneos, como, além do suicídio, a doença mental, tráfico de drogas, corrupção, homossexualidade, o comportamento alienado e inconsequente da classe mais alta do Brasil, abuso de mulheres e, como dito, a dificuldade de ser autor em um país de analfabetos.

Talvez um tanto inverossímil em alguns pontos em diversos aspectos da narrativa, para quem gosta de se deixar consumir por uma trama de mistério, liberada em pequenas doses para um leitor faminto, Suicidas é o companheiro ideal.

O que mais chama a atenção no livro é o tema que está nas entrelinhas, que é a composição da ficção a partir da vida real e nossa crença absoluta nessa narrativa. O documento (o próprio livro) supostamente produzido durante o jogo de suicídios pelo protagonista é muito pouco crível. Mesmo para os mais praticados em técnicas taquigráficas, é impossível transcrever à mão uma cena de luta e bate-bocas inflamados como ele faz, mas a investigação parece tomar esse testemunho produzido por um escritor de ficção como o registro mais exato possível do que aconteceu no ambiente fechado que os amigos escolheram para se matarem. É claro que, como um bom romance de suspense/policial deve preconizar, a verdade é bem diferente.

A midiatização da vida, sobre a qual temos visto tanto, é central, desde a cobertura invasiva da vida dos poderosos da Zona Sul carioca, passando por filmagens de suicídios que circulam pela internet, até casos em que a persona do autor e sua vida concreta têm mais importância para seu sucesso editorial que sua habilidade estética e narrativa. Basta armar um número pirotécnico para vender livros, é claro! Se está na mídia, as pessoas compram. A trama faz lembrar muito o caso do garoto suposto profeta da região norte que forjou o próprio desaparecimento em 2017, deixando caderno se mensagens codificadas de forma infantil escritos nas paredes de seu quarto com suas filosofias de vida capengas e pseudocientíficas. E ele vendeu muitos livros, podem acreditar. 

Abordando os pontos que parecem um pouco desajeitados no livro, ressalta-se a linguagem coloquial um pouco desengonçada e a falta de complexidade de algumas personagens. São aspectos que comprometem o valor como obra literária, mas não a aura em que o romance policial é capaz de nos envolver – no meu caso, consumiu-me um dia e uma madrugada. Para quem procura se entreter e um bom desencadeador de reflexões sobre a midiatização da vida, anomia social dos tempos contemporâneos e as lacunas psicológicas dos jovens da era da revolução digital, "Suicidas" é uma boa pedida.




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