sexta-feira, 20 de abril de 2018

Trecho de Romance: Manhattan #1

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De: Audrey Priestly <audreypriestly@yahoo.com.br>
Para:
mhfs2000@uol.com.br
31 de janeiro de 2013, 12:23

Assunto: Manhattan

            Não consegui resistir. Tenho que escrever para você hoje. Está nevando! Nevando de verdade, como num cartão de Natal, como o final feliz de um filme romântico... Claro que esteve nevando o mês inteiro, floquinhos tão pequenos, que quase parecem chuva, daqueles que se desmancham em água assim que tocam o chão, deixando as  ruas todas enlameadas, cheias de poças e escorregadias. Janeiro em Nova York, como poderia ser diferente?
Mas essa noite nevou de verdade. Fui até a cozinha do apartamento tomar um copo de leite às 4:30 da manhã (acordei e não consegui dormir mais) e já estava claro. Vi a janelinha de vitrô branquíssima de neve! Enfiei um casaco e fui  até a porta do prédio, de pijama e tudo. A escada estava invisível debaixo da neve!
            Como uma cidade pode se transformar dessa forma do dia para a noite? Quase não tem carros na rua, acho que não devem conseguir dirigir. Na verdade, o único jeito de se locomover é o metrô, mas vi no site da CNN que algumas linhas não estão funcionando. E as escolas também estão sem aula! É como  um dia de enchente em São Paulo, ou de greve de ônibus, em que a gente ficava feliz pela cidade estar um caos.
            Não aguentei mais ficar no meu quarto minúsculo. Sabe, eu fiz as contas, e eu pago  proporcionalmente mais aqui do que por um apartamento de três quartos no Jardim Paulista. Em Washington Heights! Bem, é o que tenho. As asiáticas de quem alugo esse quartinho parecem ter aprendido um pouquinho mais de inglês desde que eu cheguei– era de se esperar, já que assistem reality shows o dia inteiro (sério, não consigo mais olhar para a cara da Kim Kardashian sem ter vontade de socar alguma coisa). Mas ainda só falam comigo quando eu inicio o diálogo, geralmente para perguntar se querem algo do mercado ou se também estão sem sinal de celular. A operadora delas é a mesma que a minha, então resposta para essa última é sempre interessada, mas para a segunda é sempre não. Assim mesmo: “Não.” E só. E um olharzinho instantâneo e chinês. Sem um obrigado. Acho que uma palavra universalmente conhecida é “thank you,” se é que existe uma, não? Elas também fumam alguma coisa que não  sei identificar. Os tipos de drogas que podem ser fumadas não foi uma coisa que eu posso dizer que aprendi na adolescência, acho que você fica feliz com isso não é? Mas todas as minhas coisas agora têm esse cheiro enjoativo também.
            É bom escrever em português um pouco. Desde que eu cheguei aqui acho que não falei uma palavra de português – o que já faz quase 6 semanas. Olha só! Estou até medindo o tempo em semanas, igual eles fazem aqui! Estou até sonhando em inglês!
É estranho, mas não sinto nenhuma falta do Brasil. Bom, não é muito estranho, na verdade. Acho que isso é bom, já que eu escolhi me mudar para cá, não é? Nos primeiros dias, a Luciana me mandava mensagens o tempo todo, mas depois parou. Ela está trabalhando muito e preparando o casamento, acho que não tem tempo. Mais ninguém tem se manifestado... Bom, o carnaval está chegando, todo mundo deve estar se preparando para viajar, ou planejando a agenda de blocos de rua, ou indo no ensaio da escola de samba. Argh... Carnaval... Mas eu também não estou fazendo nenhum esforço para falar com ninguém de casa e estou me sentindo um pouco culpada.
Acho que você não vai ficar muito satisfeita em saber, mas a Barbra também não tem falado comigo. Não desde... você sabe... Ela não foi muito a favor de eu me mudar, disse que era besteira minha, que eu devia arranjar um trabalho como professora de inglês e parar com essa história de atriz, que eu estava louca se achava que se eu não conseguia nada em São Paulo ia conseguir alguma coisa aqui. Mas ela mesma se mudou pra Brasília, não foi? Podia muito bem ser jornalista de política de outro lugar. Ela nunca entendeu a ligação que eu e você temos com o teatro e a música. Desde pequena, lembra?
            Bom, ela pode ter razão até certo ponto. Eu sei que é muito difícil... Mesmo assim... Simplesmente não pude continuar morando naquele apartamento. Não era possível.

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