De: Audrey Priestly <audreypriestly@yahoo.com.br>
Para: mhfs2000@uol.com.br
31 de janeiro de 2013, 12:23
Para: mhfs2000@uol.com.br
31 de janeiro de 2013, 12:23
Assunto: Manhattan
Não consegui resistir. Tenho que escrever para você hoje.
Está nevando! Nevando de verdade, como num cartão de Natal, como o final feliz
de um filme romântico... Claro que esteve nevando o mês inteiro, floquinhos tão
pequenos, que quase parecem chuva, daqueles que se desmancham em água assim que
tocam o chão, deixando as ruas todas
enlameadas, cheias de poças e escorregadias. Janeiro em Nova York, como poderia
ser diferente?
Mas
essa noite nevou de verdade. Fui até a cozinha do apartamento tomar um copo de
leite às 4:30 da manhã (acordei e não consegui dormir mais) e já estava claro.
Vi a janelinha de vitrô branquíssima de neve! Enfiei um casaco e fui até a porta do prédio, de pijama e tudo. A
escada estava invisível debaixo da neve!
Como uma cidade pode se transformar dessa forma do dia
para a noite? Quase não tem carros na rua, acho que não devem conseguir
dirigir. Na verdade, o único jeito de se locomover é o metrô, mas vi no site da
CNN que algumas linhas não estão funcionando. E as escolas também estão sem
aula! É como um dia de enchente em São
Paulo, ou de greve de ônibus, em que a gente ficava feliz pela cidade estar um
caos.
Não aguentei mais ficar no meu quarto minúsculo. Sabe, eu
fiz as contas, e eu pago
proporcionalmente mais aqui do que por um apartamento de três quartos no
Jardim Paulista. Em Washington Heights! Bem, é o que tenho. As asiáticas de
quem alugo esse quartinho parecem ter aprendido um pouquinho mais de inglês
desde que eu cheguei– era de se esperar, já que assistem reality shows o dia
inteiro (sério, não consigo mais olhar para a cara da Kim Kardashian sem ter
vontade de socar alguma coisa). Mas ainda só falam comigo quando eu inicio o
diálogo, geralmente para perguntar se querem algo do mercado ou se também estão
sem sinal de celular. A operadora delas é a mesma que a minha, então resposta
para essa última é sempre interessada, mas para a segunda é sempre não. Assim
mesmo: “Não.” E só. E um olharzinho instantâneo e chinês. Sem um obrigado. Acho
que uma palavra universalmente conhecida é “thank you,” se é que existe uma,
não? Elas também fumam alguma coisa que não
sei identificar. Os tipos de drogas que podem ser fumadas não foi uma
coisa que eu posso dizer que aprendi na adolescência, acho que você fica feliz
com isso não é? Mas todas as minhas coisas agora têm esse cheiro enjoativo
também.
É bom escrever em português um pouco. Desde que eu
cheguei aqui acho que não falei uma palavra de português – o que já faz quase 6
semanas. Olha só! Estou até medindo o tempo em semanas, igual eles fazem aqui!
Estou até sonhando em inglês!
É estranho, mas não
sinto nenhuma falta do Brasil. Bom, não é muito estranho, na verdade. Acho que
isso é bom, já que eu escolhi me mudar para cá, não é? Nos primeiros dias, a
Luciana me mandava mensagens o tempo todo, mas depois parou. Ela está
trabalhando muito e preparando o casamento, acho que não tem tempo. Mais
ninguém tem se manifestado... Bom, o carnaval está chegando, todo mundo deve
estar se preparando para viajar, ou planejando a agenda de blocos de rua, ou
indo no ensaio da escola de samba. Argh... Carnaval... Mas eu também não estou
fazendo nenhum esforço para falar com ninguém de casa e estou me sentindo um
pouco culpada.
Acho
que você não vai ficar muito satisfeita em saber, mas a Barbra também não tem
falado comigo. Não desde... você sabe... Ela não foi muito a favor de eu me
mudar, disse que era besteira minha, que eu devia arranjar um trabalho como
professora de inglês e parar com essa história de atriz, que eu estava louca se
achava que se eu não conseguia nada em São Paulo ia conseguir alguma coisa
aqui. Mas ela mesma se mudou pra Brasília, não foi? Podia muito bem ser
jornalista de política de outro lugar. Ela nunca entendeu a ligação que eu e
você temos com o teatro e a música. Desde pequena, lembra?
Bom, ela pode ter razão até certo ponto. Eu sei que é
muito difícil... Mesmo assim... Simplesmente não pude continuar morando naquele
apartamento. Não era possível.
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